Guaraná
Quando ele entrou, a festa inteira parou -- e a música foi o único som percorrendo o ambiente para maquiar os suspiros de incredulidade que ninguém fez questão de tentar esconder.
Falando em maquiagem…
O s@ngu& falso parecia frio e escorria pelas bochechas, emoldurando pequenos olhos feitos à mão, numa pintura artística grosseira e apressada para simular lágrimas vermelhas.
Talvez o melindre fosse isso. A pressa. A inconsistência. A dor.
A falha de se criar um visual tão inferior ao que uma ideia dessa poderia atingir.
Um contorno desnecessário abraçava o rastro de s@ngu& e delineava os pequenos olhos, e cheguei a cogitar que uma pequena criança o tivesse ajudado a fazer aquilo.
Para tentar simular que uma árvore tinha importância em tudo aquilo, a colagem de alguns ramos mofados nos arredores das tais lágrimas rubis completava o look dessa parte -- e apenas dessa parte -- do rosto, pois mais acima, ah, mais acima vinha o verdadeiro terror.
Um terceiro olho.
Saltando à pele como algo desfalcado, um terceiro olho tão grande quanto sua testa completava a maquiagem.
A massa mal distribuída desalinhava o contorno do que se espera para um olho, tornando-o fino, comprido, horizontal e desproporcional.
Foi aí que entendi -- e decidi me aproximar:
-- Cara… tua maquiagem é a de uma fruta, certo? -- quando perguntei, ele hesitou por um breve momento, mas acabou sorrindo largamente. Eu continuei: -- Um guaraná! É isso! Tua maquiagem é a de um guaraná!
Um aceno de afirmação me deixa empolgado para continuar decifrando o que quer que ele tenha pensado em fazer.
Na testa, com cores bem separadas por riscos trêmulos, o vermelho, o branco e o preto do olho se completavam numa dança descoordenada e sem nuances. A luz mal podia encontrar seu caminho para fazer uma única sombra sequer, e a tal escultura protuberante me fez lembrar dos conjuntos de massa de modelar que encontramos nos mercados com apenas as opções de cores básicas para a compra.
Vermelho para a tal pele.
Branco para o globo ocular.
Preto para a íris.
Ramos e mofo por todos os lados.
Um pouco de s@ngu& falso para maquiar tal simplicidade.
E só.
Nada mais.
Autora: Bia Bizaio
Data de postagem: 13/11/2025